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Nervoso Miudinho

blog humorístico (esperemos) sobre tudo e mais frequentemente sobre nada

10
Mai16

Palavras que não ajudam

nervosomiudinho.blogs.sapo.pt

Quanto ao aborto espontâneo, assunto tabu, perpetuado por todos nós. Por mim também que o sofri em silêncio com a excepção do blog que me permite o anonimato  e de duas ou três pessoas da minha vida. Aproveito aqui para tentar desmistificar o que posso. Conheço um exemplo de uma mulher que nunca fez segredo do aborto espontâneo, admiro muito, porque numa tentativa de manter a minha privacidade, nunca falei do assunto e pelo menos era mais uma pessoa a quebrar a barreira. 

A sociedade muito gosta de colocar a gravidez num pedestal, numa auréola de paz inexistente. Pode haver quem tenha a sorte de ter uma gravidez santa. Não creio que seja a maioria. Há uma variedade de sintomas mauzinhos, as restrições são grandes, com medicamentos, acções, comida, bebida, é muita responsabilidade. Sempre o encarei assim. Agora, com mais medicamentos na equação, pior. Toda a atenção extra, pode haver quem goste mas ter toda a gente que conheço a querer saber mais e a querer por a mãozinha na barriga nunca me pareceu giro. 

Sempre achei 9 meses muito tempo para a gravidez. Cada vez me parece mais. Passar 8 meses com ansiedade e medo é uma eternidade. Estas situações mudaram completamente a minha relação com a menstruação, até agora encarada com normalidade. Desde a primeira gravidez e a hemorragia que não consigo determinar em momento nenhum a normalidade nas menstruações seguintes, cada uma como facada emocional.

Fico mais certa da correcção da minha postura, que nunca perguntei a ninguém sobre planos de ter filhos, e já agora de casar. Já dei respostas bem tortas a quem me fez isso, sendo a maioria irónicas, com muita pena minha que não tenham entendido a mensagem. 

Numa nota, isto acontece ao casal, mas é o corpo da mulher que é maltratado. Somos nós que sentimos que o nosso corpo falhou. Somos nós que somos testadas mais vezes, mais exames, internamento. Somos nós que abandonamos tudo, quando corre mal, o emprego sofre. A gravidez de risco, o aborto espontâneo e o período de recuperação. As perguntas no emprego, se nunca faltamos e de repente passamos um mês fora várias vezes seguidas. Ficamos expostas. Há uma tentativa de isolamento, cedi a ela por duas vezes. Ele, permitiu, mas soube sempre como reagir, foi uma rocha na minha vida, e o diálogo foi a maior constante. Estamos melhores agora no nosso relacionamento do que antes disto tudo, o que é estranho mas me assegura que é a escolha mais acertada que fiz na minha vida. 

Reagimos os dois com humor, porque os estados emocionais são difíceis de gerir: raiva, apatia, depressão, aceitação (e podemos passar por todos num só dia). Cada vez que saímos há bebés em todo o lado. Parece que é a coisa mais fácil do mundo. Na brincadeira já dissemos a passar por vários bebés, escolhe um, o mais giro, agarra e corre, fugimos com ele. Quando falamos nisto, na brincadeira, digo, se conseguir eventualmente ter filhos, que está escasso. 

foram-me ditas por amigos ou profissionais de saúde algumas palavras que na sua inocência queriam ajudar mas saiu completamente ao lado, como desvalorização do que é uma perda. Acaba ali o sonho, o que seria o meu filho, uma morte antes do nascimento (ainda bem que não tem SNC e pelo menos eles não sentem), que embora seja apenas menos de três meses já carrega muita esperança e expectativa porque foi planeado. 

Pelo menos não são Infertéis 

Pessoas o resultado é o mesmo, não há nenhum filho nos braços. Para a infertilidade também há tratamento, como para o aborto de repetição, pode resultar ou não. é trocar uma doença por outra com a mesma finalidade e com uma alegria que nos é duramente roubada em pouco tempo. Estamos de repouso, a hemorragia não para e acaba-se tudo. 

Partiste a perna esquerda? Ainda bem que não foi a direita. 

Tens diabetes? Ainda bem que não é asma. 

Vocês são muito novos, não se preocupem. 

Nova? Que giro, ainda estou nos vintes e estava convencida que não. Em que isto ajuda realmente? Se tivesse menos 10 anos sofria menos com várias perdas? Há um botão do sofrimento activado pela idade? Eu decidi ter filhos há dois anos. Ando nisto há dois anos. Isto é menosprezar o que estou a sentir. O que dizem aos casais de 40? 

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