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Nervoso Miudinho

blog humorístico (esperemos) sobre tudo e mais frequentemente sobre nada

11
Mai17

Viver uma gravidez de risco #5

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Não conseguia passar o limiar das 7 semanas grávida (de forma consciente, faz-se o teste às 4). Agora faltam menos de 7 semanas para as 40. Penso nisto algumas vezes. Nem consigo decifrar todas as emoções que me provoca. Continuo a medo, reticente mas quase consigo tocar a realidade. 

12
Abr17

Viver uma gravidez de risco #4

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É uma montanha russa, sempre. Depois de três abortos espontâneos, não é possível que seja doutra forma. Os medos nunca desaparecem, a ansiedade gere-se, não se controla. Os sentimentos, medos não se controlam. Todos os dias de consulta são precedidos de insónia e mais sintomas, os dias da consulta, que correram sempre bem são seguidos de vómitos muito fortes, indisposição, dor de cabeça, digestões tão lentas que resultam em vómitos. Nunca passa. Tem uma parte de racional e irracional, da primeira vez no dia que começou a hemorragia passado umas horas abortei, da segunda vez - a pior coisa que vivi, foi violento e cruel - estive oito dias de repouso que não pararam a hemorragia e acabei por abortar devido a perda excessiva de sangue, à terceira fui apanhada desprevenida na consulta, o que trouxe outro tipo de medos. Isto está e estará gravado em mim. Por isso tive relutância em anunciar a gravidez, tanto aqui como na minha vida pessoal, não queria mudar um milímetro, como estava a correr bem. Tive e tenho muita dificuldade em dizer o bebé, em dizer o nome. Tive muita dificuldade em começar a fazer as compras, em começar a colocar tudo no quarto. Acho que ainda tenho pouca coisa. O investimento emocional é cada vez maior, crescendo o medo proporcionalmente. Falo disso aqui numa tentativa de exorcizar os medos, que vou gerindo, aliás que vamos gerindo, conversamos muito os dois, ele também sente o mesmo, ainda nos é esquisito dizer o bebé, fazer planos. Mas isto não interfere com os sentimentos bons, sentimos muita felicidade, não interfere com as celebrações, optámos por celebrar toda e qualquer conquista, mimámo-nos enquanto casal depois de cada boa notícia, de cada consulta, de cada marco. Temos tido dias extraordinários, estamos a aproveitar esta fase o mais possível. Para mim a gravidez nunca foi um objectivo, é um passo necessário, tem coisas muito muito bonitas, é único mas é um meio para um fim, e no meu caso implica medicação extra, cuidados extra, muitas limitações extra, tive a felicidade de começar a sentir os pontapés às 16 semanas, o que ajudou muito a gerir a ansiedade. 

30
Mar17

Viver uma gravidez de risco #3

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Isso agora é que vai ser muito tempo. Vais ler imenso, ver imensas séries, fazer os projectos em falta, dedicar ao blog, relaxar, fazer Yoga, vai dar tempo para tudo. Pois. Só que não. Na verdade, acredito que fazer planos e ser produtivo aconteça quando há um prazo fixado, uma semana ou um mês e não há condicionantes de saúde. O que aconteceu foi que dormi sempre mal, o que obrigava a fazer sestas porque o sono é importante até para o normal desenvolvimento do bebé. Tive sempre metas, nunca tinha passado do primeiro trimestre, logo as primeiras 9 semanas foram uma névoa de preocupação, ansiedade e gestão de sintomas. Fui lendo, pouco, fui vendo séries, poucas, fui postando aqui sobre outras coisas para me distrair, pouco, fui lendo coisas sobre a minha profissão, poucas. Tudo pouco. Li sobre gravidez e sintomas, isso sim, muito. E debatia-me com a inactividade, com a produtividade. Nunca me vi em casa afastada da profissão e dos projectos que tinha e sem liberdade/saúde para sair à vontade desta forma e por tanto tempo.

Estou em casa tenho de ser produtiva com o meu tempo.

Mas...  espera, estou com gravidez de risco não me posso esticar, a ideia é me focar nisto senão o estado não me pagava. Não me posso preocupar. Se estou em casa de repouso a ideia é não me stressar nem me meter a fazer nada. A validação disto foi o que me aconteceu no fim do primeiro trimestre quando me permiti umas horas mais descansada e ia fazer umas compras sozinha que me valeram umas horas na urgência e um susto valente. Muitos foram os dias em que debater-me com dores esquisitas, dores de cabeça persistentes, náuseas e vómitos ocupava-me o dia. Quando há uns tempos me senti melhor, o tempo custou mais a passar, e até me esquecia e lá fazia qualquer coisa simples como arrumar a loiça da maquina, lá vinha uma dor e ficava de cama com consciência pesada e preocupada. Não ia agora deitar tudo a perder, se correu bem foi com repouso, não vou agora estragar tudo: tenho sempre de me lembrar disto. O truque é não deixar que a ilusão de uns dias melhores me levem a arriscar tudo. E pronto, este debate comigo própria, de produtividade só acontecia duas a três vezes por dia, todos os dias nestes últimos 5 meses e pouco. 

28
Mar17

Viver uma gravidez de risco #2

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O primeiro trimestre foi o período de maior angústia, sem dúvida, não sei como o tempo passou, porque foi completamente tingido a preocupação, evitamos praticamente todas as confraternizações de amigos e família. Os sintomas são mais ou menos esperados, mas muito pouco claros, recorri ao amigo Google, e a uma aplicação de telemóvel que foi uma companhia indispensável, o Nurture. Nesta aplicação temos o desenvolvimento do Feto/embrião a cada dia, os sintomas esperados, a sua explicação e muitos testemunhos de várias mulheres, vamos preenchendo o diário com todos os sintomas que vamos sentindo, e préviamente colocamos a nossa história, o que selecciona histórias parecidas com a nossa, acreditem que ajuda muito, pessoas que passaram pelo mesmo. Quanto aos sintomas foi a melhor coisa, quando tinha um sintoma novo que me assustava, não tardava um/dois dias que a aplicação explicava o que era. Para mim, as dores, eram assustadoras, recolhia sempre em repouso absoluto à mínima dor, porque os dois primeiros abortos começaram com dor. (Ainda hoje o faço, na dúvida, repouso maior.) O útero a crescer, a obstipação, e gases causam o mesmo tipo de dor mas não tinha como distinguir entre as dores. A obstipação é um problema real e recorrente a gravidez toda. As dores nas ancas, que me acordavam, normal também, é o crescimento. As dores nas virilhas, como um relâmpago, isso é que assustou mesmo muito,  não imaginam, lá estava na app, dores nos ligamentos que sustentam o útero à parede abdominal, normal também, consequência do crescimento. As náuseas e vómitos, foram bem marcados. Como da terceira gravidez os sintomas pararam ao mesmo tempo que a evolução da gravidez, celebrámos os vómitos. Sério. É isto. Ficava agoniada, vomitava e depois ficava feliz por ter vomitado. Diariamente. Mandava mensagem para ele, todos os dias, vomitei, reposta dele: Yay. Até sentir o bebé, às 16 semanas, era este o meu barómetro de estar tudo bem, muito falível, eu sei, mas era um óptimo placebo. Até que os vómitos começaram a ficar muito agrestes e ficava com medo de estar a fazer demasiada força ou algo no género. 

 

O nosso relacionamento não sofreu com a gravidez de risco, fortaleceu-se (ainda) mais. Eu não posso fazer esforços, portanto é ele que faz praticamente tudo em casa, até a companhia que lhe fazia durante a elaboração do jantar sofreu, as náuseas que sofri impediam completamente cheirar carne e peixe por cozinhar. O que valorizo é a atitude dele, o carinho, porque sacrifícios estamos a fazer os dois, para mim o normal num relacionamento é isto. Quem diria que não poder aspirar quando me apetece me iria custar. Escolhi-o por ele ser assim, não há ajudas, há uma casa para cuidar e somos dois que o fazemos de igual modo porque ambos temos empregos a tempo inteiro. Cada relacionamento funciona à sua maneira, há muitas formas de resultar, mas para mim era impensável uma relacionamento em que eu tratava de tudo da casa e o que ele decidisse fazer era uma "ajuda" e eu ficaria agradecida, ou até tinha muita sorte. Ele anda sobrecarregado, sem dúvida, mas eu também, eu não posso trabalhar nem sair, passo o dia sozinha, ainda que fale com amigos, mas não é o mesmo que sair para trabalhar todos os dias, não posso beber/comer o que me apetece, depois do episódio da urgência até para tomar banho tinha de esperar que ele chegasse a casa. 

24
Mar17

Viver uma gravidez de risco

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Entendi partilhar a minha experiência, não sou caso único e talvez possa ajudar alguém que esteja a passar pelo mesmo. Risco clínico na gravidez em termos muito simples e muito gerais acontece nos casos em que a mulher tem maior probabilidade de ter (ou já tem) doença que afectam a sua saúde/vida e do embrião, e/ou nos aos em que há maior probabilidade de haver complicações no pré e pós parto englobando um grande número de situações.

 

Infelizmente não sei o que é uma gravidez normal, não tenho termo de comparação quanto a sintomas, emoções e ansiedade. É uma altura de muitas dúvidas, muita ansiedade e muitas interrogações para todas as mulheres, só que no meu caso, razão para medos, razão para alarme, por três vezes vi a gravidez e com ela todas as possibilidades, serem destruídas. O risco de aborto espontâneo é maior do que numa gravidez normal e a ansiedade é mais difícil de gerir. E é preciso desenvolver força e sentido de humor, felizmente para mim já tinha bastante dos dois. Como vos disse nos outros testemunhos não há papel que não diga aborto de repetição. Nem recibo de vencimento que não diga interrupção voluntária da gravidez, o que nem corresponde à verdade. Os relatórios das minhas ecografias actuais têm um item "história obstétrica" que diz: quatro para zero. Estou a levar uma abada, mas preparem-se para a minha vitória triunfal.

 

No meu caso, tenho gravidez de risco porque tive três abortamentos espontâneos no primeiro trimestre, infelizmente dois casos foram hemorragias em semanas muito complicadas de trabalho, o meu trabalho é muito exigente física e mentalmente, durante a gravidez há áreas em que não posso estar.

O teste positivo é um pequeníssimo passo nesta viagem. Engravidar sempre foi fácil para nós, dois mesitos a tentar. Todos os testes pré concepcionais efectuados após os dois abortamentos foram normais. Mesmo assim o consenso médico na altura era fazer protocolo medicamentoso, lovenox, cartia e progeffik todos os dias desde o dia 1 da gravidez. Fiz o protocolo mas mesmo assim na terceira gravidez sofri novo aborto, mas sem hemorragia, descobri na consulta das dez semanas que a evolução tinha parado às nove semanas, tive que ser internada.

O primeiro trimestre tornou-se um obstáculo inexpugnável até esta tentativa. Uma montanha que tive de conquistar. O primeiro trimestre trouxe consultas e ecografias quinzenais no hospital, a medicação que referi, repouso, zero stress, nada de esforços nem pegar em pesos. Trouxe dias compridos, fiquei de baixa com gravidez de risco mal tive o teste positivo, trouxe verificação incessante, talvez a cada hora, dia e noite por hemorragia. Não ter hemorragia não me sossegava, porque podia acontecer como da última vez e ser gravidez não evolutiva. Mas compulsivamente verificava a existência de sangue. Cada espirro, tosse, cólica, cada dor, me fazia tremer de medo. A rotina de primeiro trimestre era acordar tarde, lidar com náuseas e vómitos, insistir para comer saudável, pequena caminhada, fazer meditação guiada com YouTube que acabava na sesta de uma horita, super necessária a todos os níveis.  O primeiro trimestre acabou, estava tudo bem, tinha indicação para parar o progeffik dali a pouco tempo. Respirei de alívio, por duas horas, nesse mesmo dia da consulta senti-me mal, Desmaiei, INEM para o hospital, um susto enorme, horas de angústia, sem consequências de maior a não ser (ainda) mais cuidados, quinze dias com repouso ainda maior. Acabou-se caminhada sozinha, conduzir, banho com supervisão e maior cuidado, porque a reação vaso vagal voltou a acontecer mais vezes, (e em retrospectiva já tinha acontecido no primeiro trimestre)  identifiquei melhor, sentada ou deitada, e não cheguei a desmaiar mais desde Dezembro. 

 

19
Mai16

Não é que não me lembre disto todos os dias. Que lembro

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Todos os dias. Já lá vão algumas centenas de dias. Pensei que tinha mandado esta merda para incinerar. Guardei no fundo de um armário. Como faço todos os dias à memória do que se passou. Arrumo na minha cabeça, e passo uma cassete cor de rosa, optimista. Sigo o meu dia. Penso nas outras coisas. Mas já me tinha esquecido que tinha isto em casa. Aqui estão talvez 50 seringas de enoxaparina, 50 provas do insucesso terapêutico. Todos os dias, sempre à mesma hora, injectava em lados alternados do abdómen, às vezes lá doía mais, e retraía, obrigando a nova picada, completamente desaconselhado. Muitas vezes, e do lado direito lá ficava um hematoma grande e feio para marcar o sítio da picada. O que repetirei numa próxima. Este e os outros medicamentos. 

 

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10
Mai16

Palavras que não ajudam

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Quanto ao aborto espontâneo, assunto tabu, perpetuado por todos nós. Por mim também que o sofri em silêncio com a excepção do blog que me permite o anonimato  e de duas ou três pessoas da minha vida. Aproveito aqui para tentar desmistificar o que posso. Conheço um exemplo de uma mulher que nunca fez segredo do aborto espontâneo, admiro muito, porque numa tentativa de manter a minha privacidade, nunca falei do assunto e pelo menos era mais uma pessoa a quebrar a barreira. 

A sociedade muito gosta de colocar a gravidez num pedestal, numa auréola de paz inexistente. Pode haver quem tenha a sorte de ter uma gravidez santa. Não creio que seja a maioria. Há uma variedade de sintomas mauzinhos, as restrições são grandes, com medicamentos, acções, comida, bebida, é muita responsabilidade. Sempre o encarei assim. Agora, com mais medicamentos na equação, pior. Toda a atenção extra, pode haver quem goste mas ter toda a gente que conheço a querer saber mais e a querer por a mãozinha na barriga nunca me pareceu giro. 

Sempre achei 9 meses muito tempo para a gravidez. Cada vez me parece mais. Passar 8 meses com ansiedade e medo é uma eternidade. Estas situações mudaram completamente a minha relação com a menstruação, até agora encarada com normalidade. Desde a primeira gravidez e a hemorragia que não consigo determinar em momento nenhum a normalidade nas menstruações seguintes, cada uma como facada emocional.

Fico mais certa da correcção da minha postura, que nunca perguntei a ninguém sobre planos de ter filhos, e já agora de casar. Já dei respostas bem tortas a quem me fez isso, sendo a maioria irónicas, com muita pena minha que não tenham entendido a mensagem. 

Numa nota, isto acontece ao casal, mas é o corpo da mulher que é maltratado. Somos nós que sentimos que o nosso corpo falhou. Somos nós que somos testadas mais vezes, mais exames, internamento. Somos nós que abandonamos tudo, quando corre mal, o emprego sofre. A gravidez de risco, o aborto espontâneo e o período de recuperação. As perguntas no emprego, se nunca faltamos e de repente passamos um mês fora várias vezes seguidas. Ficamos expostas. Há uma tentativa de isolamento, cedi a ela por duas vezes. Ele, permitiu, mas soube sempre como reagir, foi uma rocha na minha vida, e o diálogo foi a maior constante. Estamos melhores agora no nosso relacionamento do que antes disto tudo, o que é estranho mas me assegura que é a escolha mais acertada que fiz na minha vida. 

Reagimos os dois com humor, porque os estados emocionais são difíceis de gerir: raiva, apatia, depressão, aceitação (e podemos passar por todos num só dia). Cada vez que saímos há bebés em todo o lado. Parece que é a coisa mais fácil do mundo. Na brincadeira já dissemos a passar por vários bebés, escolhe um, o mais giro, agarra e corre, fugimos com ele. Quando falamos nisto, na brincadeira, digo, se conseguir eventualmente ter filhos, que está escasso. 

foram-me ditas por amigos ou profissionais de saúde algumas palavras que na sua inocência queriam ajudar mas saiu completamente ao lado, como desvalorização do que é uma perda. Acaba ali o sonho, o que seria o meu filho, uma morte antes do nascimento (ainda bem que não tem SNC e pelo menos eles não sentem), que embora seja apenas menos de três meses já carrega muita esperança e expectativa porque foi planeado. 

Pelo menos não são Infertéis 

Pessoas o resultado é o mesmo, não há nenhum filho nos braços. Para a infertilidade também há tratamento, como para o aborto de repetição, pode resultar ou não. é trocar uma doença por outra com a mesma finalidade e com uma alegria que nos é duramente roubada em pouco tempo. Estamos de repouso, a hemorragia não para e acaba-se tudo. 

Partiste a perna esquerda? Ainda bem que não foi a direita. 

Tens diabetes? Ainda bem que não é asma. 

Vocês são muito novos, não se preocupem. 

Nova? Que giro, ainda estou nos vintes e estava convencida que não. Em que isto ajuda realmente? Se tivesse menos 10 anos sofria menos com várias perdas? Há um botão do sofrimento activado pela idade? Eu decidi ter filhos há dois anos. Ando nisto há dois anos. Isto é menosprezar o que estou a sentir. O que dizem aos casais de 40? 

09
Mai16

Aborto Espontâneo

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Acontece em cerca de 15-25% das gravidezes. Mais, porque muitos acontecem antes de ser confirmada a gravidez e mascarados sob a forma de um atraso de menstruação.

Assunto tabu, finge-se um pouco que não existe. Eu que o diga. Também participei nessa ilusão da nossa sociedade. Por isso só se conta aos três meses, quantas de nós sofrem em silêncio. E sofre-se, física e psicologicamente. Fala-se no assunto e afinal, já alguém sofreu ou conhece bem alguém que sofreu. 

Agora, outra informação, e neste assunto nada será bom. Pode ser completo ou incompleto. Aqui coloca-se mais uma situação. Se não for completo pode requerer cirurgia. Dependendo dos casos primeiro tenta-se abordagem não invasiva sob a forma de protocolo medicamentoso para expulsão na consulta. A hemorragia pode ser severa e por isso é feito com vigilância. Caso não resulte, dilatação e curetagem. Bloco, internamento, com o risco de infecção associado, bem como risco de danificação do útero. E mesmo aqui a remoção dos produtos de concepção pode não ser completa. 

Eu sei que é pelo melhor, sei que o corpo tem mecanismos eficazes para avaliar a viabilidade dos embriões. Eu sei tudo isso. Só queria que o melhor fosse mesmo um bebé saudável. E não peço muito. Pedi, esperei, almejei, que tivesse sido desta última, pelo menos. Não foi.

 

Aborto de repetição é mais raro, afecta 5% das mulheres. A lotaria invertida na merda que já é o aborto espontâneo. São três ou mais abortos espontâneos. Em muitos casos pode ser considerado como dois ou mais. Nestes casos tenta saber-se a causa fisiológica responsável, o protocolo é a partir de três, mas já se começa a estudar as causas a partir do segundo, em alguns casos. Pode não haver. 

Os factores de risco são idade da mulher, do homem, perda gestacional anterior, alterações cromossómicas e genéticas, alterações anatómicas, trombofilias, alterações endócrino-metabólicas, alterações imunológicas, infecções. Passo seguinte, testes: 

Ecografia detalhada do útero,

Análises: cardiolipinas, imunoglobulinas, síndrome anticorpo anti fosfolipídico, tsh, prolactina, trombofilias, protrombina, antitrombinas e um sem número de items,

Cariótipo do casal.

Questão: é melhor que haja causa fisiológica ou não? Se houver, há tratamento, uma linha mais clara, uma explicação. Quando não há, ficamos desamparadas, o protocolo medicamentoso segue-se mas não há garantias do sucesso, aliás, não há diferença entre o fazer ou não. Mas faz-se, porque nos agarramos a qualquer coisa. 

 

Na primeira gravidez não se pensa no assunto, sabemos que não devemos contar a toda a gente, mas permanece uma possibilidade remota, um pesadelo no qual não nos permitimos pensar. Com uma gota de sangue soube, dentro de mim, que tinha acabado ali, enquanto conduzi para a urgência. A partir daí a felicidade vem a medo acompanhada pela ansiedade, e quando acontece novamente reconhecemos os sinais. A gravidez seguinte é de risco, o tratamento farmacológico intensifica, o pânico é diário, convivemos com o pesadelo diariamente, e verificamos obsessivamente pelos sinais anteriores. Até que é diferente das anteriores e descobrimos na consulta que o sonho uma vez mais se perdeu, que desta vez se desmoronou tudo, de uma forma diferente e nova. Quando respiramos de alívio porque conseguimos novos recordes de tempo gestacional e estamos quase na primeira meta, a vida se encarrega de nos acordar. 

Aqui vos digo, cada um dói com a força acumulada dos anteriores, cada vez mais.

Recebi os resultados das análises de primeiro trimestre e já não estava grávida, mais de una vez. Da última vez no dia que ia fazer análises, adiadas por medo irracional,  já não as fiz, fui antes encaminhada para a sala de trabalho, para o protocolo. 

 

Da fertilidade já se fala bastante. Séries como friends já acabaram há dez anos e o assunto era abordado. O aborto, e especialmente o aborto de repetição continuam na penumbra, nas conversas evitadas, nos olhares desviados. São situações igualmente más, senão piores, e até podem acontecer ao mesmo casal. 

 

Ando a ando a adiar este post há algum tempo. Mas honestamente já repeti este historial à exaustão, urgências, consultas, consultas de outras especialidades. A dado momento ponderei fazer um cartão explicativo que me poupasse à repetição. 

Aqui entram as gafes de profissionais.

É o primeiro?

Não, o terceiro.

Ah, então já tem filhos.

Não, não tenho.

Ai, desculpe. Vai ser da próxima, não se preocupe, é novinha. 

(A senhora não é, e com os anos disto que tem mais noção no palavreado, impunha-se, ler o meu processo antes de fazer a ecografia era o mínimo e paternalismos a esta hora e comigo em posição ginecológica é que não). 

Entre muitas outras. Mas, ressalvo, fui e estou a ser muito bem tratada, adorei 99% dos profissionais, até os administrativos têm outro tacto e por isso não voltei ao privado. No privado, apenas gostei da médica que me atendeu na urgência da segunda gravidez.

  

Outra das muitas coisas que é preciso é uma força acima do comum, porque é uma perda, para além dos sintomas físicos. A história pessoal é repetida um número bizarro de vezes. Todos os papéis dizem aborto. O motivo das consultas e ecografias vem com o motivo, aborto de repetição. O talão de vencimento diz licença por interrupção da gravidez. Nem que queiram esquecer, a cada minuto de cada dia, há um pormenor com as letras garrafais a lembrar os dias de sofrimento que culminam em contracções e no inevitável, as urgências, as consultas de revisão, tudo vos grita na cara o que nem que queiram podem esquecer. Quando se tem essa sorte, porque ser internado para uma curetagem é muito pior. Agradeço à instituição em que tive internada que não me colocou num quarto com uma grávida ou parturiente. Seria agravar insulto à perda. Terá sido pensado, se não o fosse podiam contar com uma reclamação. Ninguém deve passar por isso. 

 

 

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