Também quero falar do turismo no Porto
Eu sou do Porto, nascida e criada. Adoro a minha cidade. Se me incomodam trinta turistas por metro quadrado? Sim, bastante. Se me incomoda a abertura de trinta restaurantes por noite? Sim, um pouco. A gentrificação também me incomoda um pouco. Mas a cidade está viva. Outros estão a ver o que eu amo de paixão. O Porto está no mapa do Mundo, como não estava há muito. Claro que traz problemas. O crescimento tem de ser sustentado, e cuidadoso, este boom pode estagnar e descer um pouco. Rui Moreira está a começar a adereçar alguns problemas, os tuc tuc, os veículos de turismo, espero que se foque também na proliferação de hotéis, hostels e air bnb. Não quero um Porto igual a Lisboa, ou Madrid, standard. Quanto ao resto da questões são um bocadinho falsas. Eu vivi na Rua de Santa Catarina há mais de vinte anos atrás. E já nessa altura os moradores da baixa estavam em declínio, há mais de vinte anos. Aliás há agora muito mais gente a viver na baixa do que havia nessa altura. Conheco vários casais da minha idade que estão a viver na baixa. Adorava viver em Santa Catarina, recordo com nostalgia, a primeira vez que recordo ver granizo estava à janela a ver a rua. Foi um período mágico da minha vida. A casa era enorme, tinha duas entradas, o piso era todo nosso, duas salas de estar, uma terceira que convertemos no quarto principal com talvez trinta metros quadrados, um quarto onde estava a máquina singer de costura, e tinha um pé direito altíssimo. A base da máquina ainda existe, é o apoio da mesa octogonal de mármore que está no pátio. A sala de estar, sem televisão e com um gira discos, era onde me sentava muitas vezes com uma boneca. Eu e o meu irmão ficamos num quarto num beliche porque éramos pequenitos. O Natal era um período especialmente bonito de ver pela minha janela, o São João também, mas todas as tardes a luz me fascinava e gostava de ver as pessoas a passar na rua, do tamanho de formigas. Brincava na Igreja da Batalha, ia para o jardim dos Aliados, dava milho às pombas, ia a feira dos pássaros e fazia as compras no pingo doce de 31 de janeiro. A roupa comprava-se na zara, no marques Soares, que ficavam a uns metros. Aliás, tudo ficava a uns metros, a conga, o Pedro dos frangos, o sítio da codorniz que não me lembro o nome, a loja dos bonsais que lá ficava ao lado. No fim do dia subir a 31 de janeiro era um suplício, ia eu e o meu irmão atracados à minha mãe, que coitada, ainda tinha de nos puxar no final de um dia de trabalho. As ruas eram desertas e feias à noite. Não tinha impacto porque éramos pequenos e as noites eram passadas em casa. A cidade era cinzenta. A baixa tinha poucos inquilinos, os preços eram altos, e não havia muito à venda, a maior parte eram alugueres, com rendas altíssimas. A vontade de ter uma casa própria térrea com jardim obrigou à mudança, uma nova subida de renda e a teimosia em não vender ditaram a saída do Porto, nós e muitos mais. Uma mudança sentida, que durante anos não foi bem aceite por ninguém. Tirar-nos a baixa, foi tirar tudo.