Viver uma gravidez de risco #6 a grande ironia
Estou em casa desde o início, desde o teste positivo. Nunca cheguei tão longe, já estou no último mês. Já vos disse aqui a dificuldade que isso é. Sou grávida a tempo inteiro, foi só isso que fiz. Nunca reprovei, nem a disciplina quanto mais um ano inteiro, nunca estive desempregada, nunca estive inactiva. Tive que lutar comigo para me convencer que tinha de ser assim, dias "desperdiçados". Dias muito mais solitários, não indo trabalhar não falo com pessoas como estava habituada, claro que há chamadas e mensagens, mas não é, de todo, a mesma coisa, surpreendentemente reagi muito bem, não deprimi, não fiquei afectada, nem descontei nele, houve dias mais fáceis, outros mais difíceis. Especialmente nesta sociedade em que vejo a maior parte das mulheres determinadas em mostrar que a gravidez não é doença. A minha é. Mulheres que viajam, fazem desporto de alta intensidade , trabalham, com uma carreira, e têm vida social. Ver blogs nesta altura então, tem sido um esfregar na minha cara, gravidezes com mais vida social do que a minha vida normal. Eu tive de abdicar disso tudo, não importava como estivesse a minha carreira e os meus planos e ambições, tive de colocar isso tudo de lado, durante (espero eu, peço) oito meses mais a licença de 5. Podia estar prestes a ter uma promoção (ahahahah, agora ri-me porque não há valorização nenhuma onde trabalho, penalização há muita, mas reconhecimento tá queto). Não sei o que vou encontrar quando regressar, tinha projectos em curso, ideias, grupos de trabalho, a vida não pára, só porque eu parei. Mais ironia, mal tive que parar surgiram duas oportunidades fora do local de trabalho às quais não me pude dedicar, coisas para as quais trabalhei desde o início da minha carreira. A biologia é uma cabra, ou abdicava de filhos, ou colocava o resto da minha vida em suspenso. Fomos falando disto os dois, a maternidade e o planeamento familiar são uma arma de controlo das mulheres, não há como fugir. Ele está comigo nisto a 100%, tem sido tudo para mim, mas a verdade é que ele vai trabalhar, pode praticar o desporto dele, tomar café com amigos à vontade, comer e beber sem restrições. Eu disse adeus a tudo isso, com o bónus de medicamentos e mais ansiedades.
A ironia.
Sou e sempre fui muito independente. Feminista (a sério, pela definição de dicionário e não como as capazes). Pratiquei desporto. Comecei a namorar cedo, e lá veio aquela pressão típica de miúdos de 16, para não ir aos treinos, para faltar às aulas. Muito calmamente lhe expliquei que tinha uma vida antes dele e que ia continuar a ter, que a minha prioridade era a família e a escola, que tinha amigos e praticava desporto, se quisesse ocupar um espaço na minha vida que gostava muito mas para me "exigir" faltar a qualquer um dos anteriores ficávamos já por ali. Continuei a ter momentos só com as amigas, com ele e outros nnamorados, saí e fui de férias com amigas, não me privei de nada, até porque nunca foram incompatíveis. Até tinha família minha a perguntar, "com quem vais jantar? Esta e aquela amiga. Mas não tens namorado? Tenho, e?"
Fui viver sozinha aos 26, ainda a frequentar o mestrado, uma vez mais família perguntou: mas estás chateada com a tua mãe? Claro que não, queria o meu espaço, estava mais que na altura de ser mais independente. Foi nessa altura que comecei a namorar com ele, e acabamos por ir viver juntos, ele ainda vivia com os pais. Os amigos sempre a "pressionar" o casamento e os filhos. Nunca me deixei permear por isso, faço as minhas coisas no meu timing.
E eis que a vida decidiu que deixasse por completo a minha independência, o meu trabalho, a minha carreira para estar grávida, vulnerável e frágil.